quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O PROJETO

Não se pode pensar em manutenção, continuidade e transformação do fazer cultural sem levar-se em conta a contribuição das crianças. Hoje, por meio da Sociologia da Infância, é possível entender que as crianças são atores sociais plenos. No campo social não se pode mais considerar o padrão vertical de imposição dos adultos, e se faz necessário fomentar a idéia de que as crianças, mesmo vivendo no mundo dos adultos, são capazes de ações relevantes e podem protagonizar suas histórias. 


O “adultocentrismo” não permite, na maioria das vezes, acreditarmos nas informações vindas das crianças, preferindo que os adultos digam o que elas pensam ou o que eles supõem que elas pensam. Assim, as crianças dependem quase que exclusivamente da visão dos
Ala mirim dos Índios Tabajaras
pesquisadores adultos para se fazerem entender no mundo. Deste modo deve-se compreender que meninos e meninas epistemologicamente, conhecem, vivem e agem de modo diferentemente na comunidade. Não se pode negar a forma desigual de relacionamento, no âmbito do poder entre adultos e crianças, pois a sociedade é adultocêntrica e as relações muitas vezes não levam em consideração o olhar infantil, por isso é importante perceber esta desigualdade no fazer cultural, para que se possa superar a erronia teoria da interação liberal de que somos todos iguais e podemos nos comunicar da mesma maneira.

A igualdade nos terreiros da Zona da Mata está em concordância com o que expôs S.G Caputo, no texto Crescendo entre orixás. Educação em terreiros de candomblé, no IV Congresso Brasileiro de História da Educação, em Goiás. O estudo de Caputo indica que nos terreiros, a relação adulto-criança não se dá com o poder do primeiro sobre o segundo: ”As crianças respeitam os mais velhos, mas são igualmente respeitadas por eles. isto pode ser explicado porque se um adulto chega ao terreiro para começar, uma criança já iniciada pode ser responsabilizada para lhe passar os ensinamentos (a antiguidade iniciática é superior a idade real).”

Do mesmo modo é possível observar esta relação de respeito nas manifestações culturais da Mata Norte de Pernambuco. Muitos adultos são ensinados por crianças, que muitas vezes lhe mostram os primeiros passos de um caboclinho, maracatu ou cavalo marinho.

No espaço escolar, porém, dificilmente as crianças exercem relações semelhantes aos dos terreiros de candomblé e dos folguedos da zona da Mata, muito pelo contrário, estas relações são tamponadas, não dando à criança a possibilidade de exercer e reconhecer seus saberes.

É importante perceber que, no que se referem às interações culturais, as crianças criam seus próprios códigos, linguagens e práticas particulares, com isso criam sua própria cultura, e esta influencia as manifestações e celebrações culturais, transformando-as nas suas várias instâncias, quais sejam: educativa, econômica, familiar e social.

A realização do 1º Encontro Infantil de Cultura Popular da Zona da Mata garantirá que as crianças de várias manifestações culturais possam assumir papéis relevantes dentro das atividades do evento, possibilitando com isso a voz e a vez de se expressarem de modo pleno. 

A difusão do fazer cultural infantil será efetivada através de celebrações públicas, que trará visibilidade para atrações artísticas composta só por crianças. O público terá oportunidade de, tanto no palco como nos colégios do município de Goiana, apreciar apresentações de grupos como: Cavalo Marinho Infantil do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) de Condado, Coco Catolé de Goiana, Coco Barra do Sol de Condado, além das alas infantis de Caboclinhos e Maracatus. O projeto também permitirá o repasse de saberes com uma oficina denominada Fabriquetas de Brinquedos Populares, onde o mestre Neilton, do grupo Índio Tabajara, ministrará uma oficina de confecção de brinquedos tradicionais como: Mané gostoso, pião, fantoches etc. 

O projeto contará também com uma Rodinha de Mestres, onde crianças de vários grupos culturais expressarão seus códigos e suas práticas culturais. Complementado o evento haverá um seminário que abordará a Educação Infantil e Culturas Populares nas Escolas. O aporte financeiro aliado a experiência da equipe principal, aumentará substancialmente as ações culturais na Região, pois muito destes grupos vêm se apresentando no palco do o ALAFIÁ desde 2003.

A principal razão que provocou a realização 1º Encontro Infantil de Cultura Popular foi perceber que na região não existe nenhuma ação que valorize o fazer cultural dos brincantes infantis, também não existe políticas públicas que contemplem os grupos culturais de crianças. Os meninos e meninas são vistos, muitas vezes dentro das brincadeiras ditas dos adultos, apenas como “ornamentos decorativos”. O público não percebe que, muito mais do que estarem vestidos e dançando “certinho”, as crianças contribuem confeccionando fantasias e ensinando a outros adultos, ou seja, o que se vê na passarela é a beleza da contribuição infantil para cultura popular. 

Os motivos que justificam o enfretamento do problema é observar que na região da Mata Norte existem vários grupos infantis e cada um representa a diversidade peculiar desta região; são grupos de cavalo marinho, coco de roda, maracatu rural e ciranda, além do mais, existe uma contingência muito grande de crianças compondo grupos culturais tradicionalmente feitos por adultos. Sendo assim a idéia de reunir num encontro todos estes grupos, trará visibilidade merecida a estes meninos e meninas que fazem cultura popular.


O 1º Encontro de Infantil de Cultura Popular da Zona da Mata esta em concordância com o que preconiza a 1ª Conferência Estadual de Cultura no item 4 do eixo 2 - Cultura é Direito e Cidadania - que diz: “Garantir  e priorizar a realização de oficinas de expressões culturais e artísticas como instrumento básico e fundamental da promoção do direito e da cidadania aplicado nas políticas públicas de cultura, assegurando às crianças, adolescentes e jovens  a sua inclusão social nas atividades culturais incluídas no currículo das escolas da rede de ensino municipal, estadual e privadas em parceria com instituições não governamentais oportunizando a integração de meninos e meninas em situação de rua, as nossas potencialidades culturais. É dever do poder público nos três entes federados promover a instalação de espaços culturais garantindo o acesso da comunidade, incentivando a formação artística estruturando os grupos culturais existentes e em formação no município garantindo o exercício do direito.”

Por isso a importância do projeto fica clara, quando é percebido que as crianças têm o direito à expressão plena de seus fazeres culturais, e não podem mais serem vistas como um subgrupo dentro da cultura popular, pois são agentes mantenedores e transformadores dos vários brinquedos, tornado-se não só guardiões, mas construtores da Cultura Popular de Pernambuco.


JOSÉ FRANCISCO IRINEU MARCOLINO - Produtor Geral

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